*Um mergulho com “Creme de Leite”*

Foi assim…

Como todos que estavam no passeio, eu aluguei o equipamento completo para mergulho: colete, pés de pato e máscara com snorkel (respirador).

Era cedinho ainda e eu imaginava ter coragem pra adentrar no mar, ao final daquela manhã.

Eu almejava ver bem de perto os corais, peixes e tartarugas marinhas… Tão famosos pelas bandas de cá.

Mas, na hora “H”, as pernas bambearam e eu amarelei e disse que não iria.

Foi, então, que o nosso guia de mergulho, de codinome “Creme de Leite”, olhou para mim e perguntou, como que estupefato:
– “Mulher, você alugou tudinho e não vai ver o fundo do mar?”

Ao que lhe respondi que eu tinha medo, ele retrucou, segurando em minhas mãos:

– “Fique tranquila, eu vou com você todo o tempo. Segure firme no meu braço e eu te guio.”

Não sei o que pensei, mas senti tanta segurança em seu olhar que aceitei arriscar. E combinamos que, caso eu ficasse com muito medo, retornaríamos do ponto em que estivéssemos.

Ele me deu outra máscara completa, pois a que eu alugara estava com uma folga no snorkel que me impediu de encaixá-lo na boca.

E seguimos para a água.

Coloquei o colete e entrei no mar, ainda temerosa, sem desgrudar do seu braço.

Fomos caminhando juntos até que a água chegou à altura da cintura e ele me ajudou a colocar os pés de pato e a máscara. Orientou-me a colocar o snorkel e a respirar apenas pela boca fazendo “biquinho” de forma a não permitir que penetrasse água no respirador.

Até aí, foi tudo bem, porém, o mais difícil aconteceu quando ele disse:

– “Agora, deite o corpo na água, mergulhe a cabeça, olhando pra frente e escutando a sua respiração.”

Eu não conseguia.

Tentei por diversas vezes e sempre me dava pânico de afundar, mas, ele, muito habilidoso, conseguiu me acalmar e, finalmente, olhei pro fundo, mantendo a cabeça reta.

No começo, quando estávamos ainda na lateral e eu conseguia quase tocar o fundo com as mãos, mantive a calma. Porém, quando avançamos mar adentro e nos distanciamos da costa a ponto de eu já não conseguir mais ver claramente o chão, eu entrei em pânico.

Pânico mesmo…

Retirei o respirador.
Pedi para voltar.
Pedi, veementemente, para ele me levar embora dali.
Enfim, eu me desesperei…

Eu tinha plena consciência de que aquele era apenas um mergulho amador, de menor profundidade.
Muito diferente de outro tipo de mergulho que há na ilha e que envolve treinamento prévio e o uso de um cilindro de oxigênio.

Mas, ainda assim, eu me desesperei…

Ele, no entanto, manteve-se calmo e me assegurou que era tranquilo e que não havia o que temer, pois ele estava ali e não iria me deixar sozinha em momento algum.

Num instante, eu me senti tão envergonhada com o vexame que dei, que, imediatamente, enfiei a cabeça no mar e segui calada, mergulhando ao seu lado.

Foi quando avistei uma tartaruga marinha adulta, comendo calmamente um punhado de algas.

Fiquei hipnotizada.

Esqueci o medo.
Esqueci o quão longe já estávamos da costa.
Esqueci tudo.

Era uma cena tão deslumbrante quanto impensável de presenciar até algum tempo atrás.

Num instante seguinte, sem perceber, eu estava boiando suavemente e batendo os pés de pato na água para dar mais impulsão.

Minha respiração tornou-se pausada e senti como se eu estivesse plainando sobre a água.
Não quis mais levantar a cabeça.
Nem sair da água.

As cenas que se seguiram me deixaram em êxtase:

Duas outras tartarugas ainda maiores que a primeira, uma em frente à outra, estacionadas ao lado de uma extensão de corais.

Um pequeno cardume de peixes de cor azul escuro com barbatanas em tom celeste brilhante.

Mais peixes coloridos de tamanhos e tipos diferentes.

Algas diversas e corais multicoloridos espalhados por todo o canto.

Uma enorme lagosta entre rochas e outra, maior ainda, escondida numa pequena caverna subaquática.

Enfim, um mundo inteiro de diversidade de fauna e flora sob aquelas ondas.

Eu perdi a noção do tempo…

Não sentia mais o medo do mar, nem das ondas, não temi por visitas inesperadas de tubarões, nem lembrei do meu pavor de me afogar…

E vivi intensamente aqueles minutos que se seguiram.

Foi quando ouvi “Creme de Leite” gritar para os outros turistas que nos acompanhavam:
– “Pessoal, já está acabando, vamos dar a volta e retornar para a costa.”

A primeira coisa que eu quis fazer foi levantar a cabeça, tirar o snorkel da boca e perguntar: será que não poderíamos ficar mais um pouquinho?

Mas, eu me contive e obedeci, ainda inebriada sob o efeito das cenas que vivenciei.

Ao final, já em terra firme, eu tive a curiosidade de perguntar a origem do seu apelido.

Ao que ele respondeu:

– “É que eu sou o único guia branco da ilha.”

Ao me ver franzir a testa, ele sorriu e suspendeu um pouquinho a lateral da sua sunga.

“Creme de Leite” não era branco, ele era quase transparente de tão clara que era a sua pele original.

E foi assim que encontrei uma espécie de “anjo da guarda” no meu primeiro dia de férias na praia da Baía do Sueste, em Fernando de Noronha.

Ironicamente, apesar de todo o temor que sempre senti do mar, o meu maior sonho da vida toda era um dia ir a Noronha e mergulhar em suas águas cristalinas.

E fazer isso, ainda que num mergulho de batismo, foi simplesmente inesquecível.

Eu não pude tirar nenhuma foto deste evento para poder rever depois.

Mas, possuo o registro mais indelével de todos: a lembrança do coração.

Concluí, então, que o tempo da agonia, por mais pânico que cause, é efêmero.
Mas, os instantes vividos em plenitude perduram por toda uma vida.

E é exatamente isso que quero levar de recordação da minha maravilhosa estada nesta ilha:
A intensidade dos pequenos momentos inesquecíveis!

Dez/2018

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